Olha o balão, o alho-porro e o martelinho. Cuidado com as canas do fogo, com os saltos nas fogueiras e com as espinhas das sardinhas. Venham mais cinco, de Massarelos às Fontainhas ou Foz. Hoje é dia de S. João, o santo inimigo das folias e devassidões.
Bailaricos, balões de papel, alhos-porros e martelinhos, bem como o tradicional espectáculo de fogo-de-artifício sobre o Douro, marcam esta noite a festa de S.João, no Porto, que enche sempre a cidade de foliões. As festas em louvor de S.João não deixam ninguém em casa, sendo que cada bairro, colectividade e praça é palco de folia, independentemente da “disposição meteorológica” de S. Pedro para aquela noite.
Os martelinhos, imprescindíveis para as marteladas “amigas” na cabeça de quem passa na rua, tradição que “nasceu” na década de 60 e depois adoptados pelos estudantes da Queima das Fitas no seu cortejo, em 1968, os balões de ar quente em papel a iluminar a noite, os manjericos, as sardinhas assadas e o alhos-porros tornam estes festejos únicos no Porto, reunindo milhares de pessoas, entre as quais muitos estrangeiros que admiram a espontaneidade festiva dos portuenses. E para que os turistas jamais esqueçam esta festa, a Câmara do Porto decidiu oferecer hoje martelinhos de S. João a todos os que passem pelos postos de turismo municipais. Este ano, a autarquia e empresários recuperaram ainda a tradição do bolo de S.João, que depois de quase 50 anos de ausência, regressa agora às pastelarias da cidade.
Animação
A música e animação de rua marcam forte presença nesta noite que habitualmente termina de manhã, nas praias da Foz do Douro, destacando-se a actuação de EZ Special e Grupo Pop Rock na Praça Francisco Sá Carneiro, e do Conjunto António Mafra e Banda Lusa, na Praça da Liberdade. A Casa da Música (CdM), na Boavista, associa-se aos festejos a partir das 22h, programando para a sua praça exterior três concertos: A Orquestra Nacional do Porto (ONP), Jorge Palma e os Táxi, banda que marcou os anos 80 e ainda hoje faz parte do imaginário de muitos portugueses.
Em quase todas as freguesias da cidade há bailaricos ou arraiais, onde o cheiro das sardinhas, do alho-porro e da parafina que sustenta os balões no ar se misturam até altas horas da madrugada.
O tradicional espectáculo de fogo-de-artifício vai decorrer às 24h00, junto ao rio Douro, iluminando as cidades do Porto e Gaia.
Este ano, como também já tem vindo a ser tradição, realiza-se o concurso de cascatas, organizado pela Câmara do Porto, e também o das Rusgas de S. João.
História
De acordo com o historiador Germano Silva, dos santos populares de Junho, o S.João Baptista é o que mais se festeja na Europa, mas é na cidade do Porto que as celebrações em seu louvor atingem o mais alto grau de espontaneidade. Para o historiador, o S.João tripeiro tem que ser entendido como uma grande manifestação de massas de cariz popular e que dura toda a noite, com uma cidade inteira na rua, em alegre e fraterno convívio colectivo.
Festa cíclica, de raiz nitidamente pagã, o S.João do Porto tem no fogo (fogueiras), na água (através das orvalhadas) e nas ervas aromáticas (a cidreira e o alho-porro) o alívio para os restantes dias do ano.
Conta Garrett que no S.João, no século XIX, havia três rivais: o republicano (em Cedofeita), o malhado (na Lapa) e o realista (no Bonfim). Também Alberto Pimentel se refere nos seus escritos ao S.João do Porto dividido “no do povo, nos campos de Cedofeita” e “no da burguesia, no arraial da Lapa”. O escritor acrescenta que “as noites de alegria popular vão de princípio ao fim, sem solução de continuidade: o povo bebe o prazer como o vinho, a longos tragos, não às pinguinhas”. Já Fernão Lopes, referindo-se ao século XIV e ao reinado de D. Fernando, salientou o facto de “determinado acontecimento ser festejado no Porto com uma animação e entusiasmo desabridos”, referindo-se à noitada de S.João.
Historicamente, vida de S.João Baptista é um exemplo de honestidade e seriedade, sendo que os documentos bíblicos apresentam-no como santo austero e milagreiro, inimigo das folias e devassidões.